Metaverso: expectativas e desafios na era do direito digital

Sabemos que o mundo está em constante evolução, o que leva a mudanças culturais e comportamentais nas mais diversas áreas do nosso cotidiano, refletindo no modo como interagimos e trabalhamos. Esta mudança passa pela internet, exemplo disso são as redes sociais que se tornaram um instrumento fundamental no “dia a dia” das pessoas e que hoje são acessadas por cerca de 150 milhões de brasileiros.

Dentre elas, se destaca o Facebook, cujo CEO Mark Zuckerberg, anunciou recentemente a mudança da marca para Meta, e o objetivo de se transformar em uma empresa de Metaverso.  


Mas, afinal, o que é Metaverso?
 

Historicamente, os primeiros traços deste conceito remontam à literatura Cyberpunk, que nada mais é do que uma vertente da ficção científica com foco em alta tecnologia e baixa qualidade de vida (“High tech, Low life“), popularizada em 1992 na obra Snow Crash de Neal Stephenson.   

Sem a pretensão de esgotar o tema com um conceito único, em síntese, para fins desse artigo, denominarei o Metaverso como uma sequência ou conjunto de programas computacionais que possuem um altíssimo desempenho e que possibilitam através de simulações da realidade tridimensional a projeção da identidade pessoal, ou seja, busca espelhar o mundo real no ambiente virtual, em um espaço onde as pessoas poderão interagir e desenvolver qualquer atividade por meio de personagens digitais ou avatares, com sensação de estar dentro da própria web.

A internet, tal qual a conhecemos, apresenta uma interface bidimensional cuja utilização acontece através das telas, mas, no Metaverso, há inserção do usuário no ambiente 3D, que poderá ser acessado através de tecnologias como fones de ouvidos, óculos ou relógios conectados a dispositivos e que tenham acesso a velocidade de internet compatível.  

No atual cenário mundial, após a crise sanitária instaurada em razão da pandemia decorrente do Coronavírus (Covid-19), houve mudanças estruturais e socioeconômicas significativas, hoje, as pessoas precisam ficar mais tempo em casa para evitar aglomerações, o que invariavelmente leva à redução das interações interpessoais de forma física.

Por outro lado, o distanciamento físico fomentou avanços tecnológicos na busca em suprir necessidades reais e instantâneas para que pudéssemos lidar melhor com a crise, o que levou mais empresas a olhar para o Metaverso com atenção. 

No ambiente laboral não foi diferente, após este processo marcado pela busca na continuidade na prestação de serviços, se observa o anseio pelo equilíbrio entre a flexibilidade do trabalho remoto, principalmente quando falamos em grandes conglomerados urbanos e, ao mesmo tempo, a vontade de retomar o contato e acolhimento do trabalho presencial, situações que, ao que tudo indica, o Metaverso poderá auxiliar de forma mais eficiente e real.  

Neste viés, existem muitas incertezas jurídicas que permeiam tema e ainda não sabemos se a sociedade e o Estado estão prontos para lidar com esta nova forma de realidade, certo é, que enfrentaremos obstáculos em todas as áreas em que o Metaverso possa se desenvolver. 

No que tange à prestação de serviços advocatícios, quando falamos em aprimoramento de ambientes de reunião, por exemplo, as possibilidades são mais palpáveis, mas, quando tratamos de relacionamento advogado-cliente, quais seriam os desafios a enfrentar? 

Em 2007, no processo E-3.472/2007 de relatoria do Dr. Fábio de Souza Ramacciotti, o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) se posicionou desfavoravelmente à inciativa de um escritório que tentou abrir uma sede na plataforma Second Life, um ambiente virtual que simulava em alguns aspectos a vida real e social do ser humano, com representação por avatares que podem, inclusive, fazer negócios entre si. 

A decisão se fundamentou na ausência de previsão expressa a respeito no Código de Ética e Disciplina da OAB e no Provimento 94/2000 do Conselho Federal, trazendo à tona questões atinentes ao sigilo profissional, inerente à profissão, aos princípios da pessoalidade, confidencialidade e sigilosidade na relação entre cliente e advogado, a veiculação de publicidade incompatível com a sobriedade da advocacia ou oferta generalizada de serviços, em ofensa ao art. 7, II do EAOAB 

O Provimento n. 205/2021 da OAB trouxe mudança ao criar novas regras de marketing jurídico, dispondo sobre a publicidade e a informação da advocacia e revogando o Provimento n. 94/2000, impactando diretamente a prestação de serviços advocatícios no ambiente virtual, permitindo um grande salto quanto a escritórios virtuais, mas que não são suficientes para enfrentar a potência pretendida pelo Metaverso.

Pelo Provimento n. 205/2021, o art. 1º passou a prever expressamente que é permitido o marketing jurídico, o qual deverá ser exercido de forma compatível com os preceitos éticos e respeitadas as limitações impostas pelo Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994), Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015) e pelo próprio Provimento n. 205/2021.  

Estabelece, ainda, que as informações veiculadas deverão ser objetivas e verdadeiras, sendo de exclusiva responsabilidade das pessoas físicas identificadas e, quando envolver pessoa jurídica, dos sócios administradores da sociedade de advocacia, assim como, que as pessoas físicas e jurídicas deverão comprovar a veracidade das informações veiculadas sempre que solicitado pelos órgãos de fiscalização da OAB, sob pena de incidir na infração disciplinar prevista no art. 34, inciso XVI, do Estatuto da Ordem.

A expectativa é de que países desenvolvidos deslanchem com mais velocidade nas novas perspectivas do mundo virtual, sobretudo em razão do necessário aporte econômico e desenvolvimento social considerável para a aderência à tecnologia do Metaverso.  

Em consonância com estas perspectivas, já neste ano, em Nova Jersey (EUA), o escritório Grungo Colarulo inaugurou sua sede no universo virtual, localizado em Decentraland, uma plataforma de realidade virtual 3D.

Enquanto isto, no ordenamento jurídico brasileiro, foram necessários mais de vinte anos para alteração da disciplina relativa ao marketing jurídico. Do mesmo modo, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD que, em síntese, trata do armazenamento dos dados pessoais de clientes e usuários, entrou em vigência em agosto de 2020, mas grande parte das empresas ainda não se adaptou para sua plena aplicação, tampouco, o Estado conseguiu dar “braços” a agência responsável para as devidas fiscalizações.   

Neste cenário, podemos projetar as dificuldades a serem enfrentadas quando se fala em maximizar o uso do ambiente virtual, dentre elas, o tratamento quanto a vulnerabilidade digital, proteção de dados, propriedade intelectual/industrial, validação de contratos, direito do consumidor, direito autoral, direitos da personalidade, além de outros problemas éticos relacionados especificamente à advocacia e outras profissionais regulamentadas.

De todo modo, o Metaverso poderá aperfeiçoar a prestação de serviços, permitir a proximidade entre os usuários, mas, como seria “escritório do futuro”? A nossa bagagem ética e normativa é suficiente para tratar da prestação de serviços advocatícios no Metaverso? Quando teremos alguma atividade legislativa neste sentido? 

Ainda são muitas perguntas sem respostas, o que se sabe é que enfrentaremos um longo caminho diante deste novo infinito de possibilidades.