Evolução jurídica na luta LGBTQIAP+ por igualdade e inclusão

O Direito brasileiro tem conquistado, aos poucos, importantes avanços para a causa LGBTQIAP+, trazendo maiores garantias a essa população

 

De acordo com levantamento publicado em 2022, pela  Nature Scientific Reports, 12% da população brasileira, cerca de 19 milhões de cidadãos, se declara como gay, lésbica, bissexual, assexual ou transgênero. Contudo, apesar da representatividade demográfica, o Brasil ocupa a quarta posição entre os países que mais matam membros da comunidade queer e, ainda, lidera as estatísticas globais de assassinato de pessoas trans.

Os dados, do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIA+ e da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA), respectivamente, apontam para uma realidade cruel e discriminatória, que deve ser combatida tanto no âmbito social quanto no jurídico.

Embora a Constituição Federal assegure em seu texto igualdade, dignidade, justiça, liberdade, acesso à educação, saúde, dentre outros direitos, a todos os brasileiros, na prática a realidade é outra, pois diversas pessoas que integram grupos minoritários não gozam, ainda, destas garantias fundamentais.

Nossa sociedade ainda é permeada por inúmeros preconceitos, mas isso não significa que o Direito brasileiro não tenha evoluído para a afirmação e o respeito à diversidade de gênero, pois, nas últimas décadas o país obteve grandes avanços neste sentido.

Descriminalização e despatologização da homossexualidade

A primeira destas conquistas foi a descriminalização da homossexualidade, em 1830. Neste ponto, o Brasil pode até ser considerado mais avançado, se comparado a outros lugares do mundo, uma vez que relações homossexuais ainda são interpretadas como criminosas em 70 países.

Porém, mesmo que descaracterizada como violação legal, a homossexualidade foi tratada como doença até 1990, ano em que a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) retirou esse item da lista de distúrbios psiquiátricos, estabelecida pela Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID).

Espantoso o quão recente é essa vitória, mais ainda no que tange à transexualidade, que até 2018 (apenas cinco anos atrás, portanto) era considerada uma patologia.

 

Não existe cura, nem tratamento, para algo que não é doença

Os fatos são tão recentes que ainda é comum a oferta de tratamentos, conhecidos como “cura gay”, contra identidades que fogem da cisheteronormatividade. Neste ponto, é preciso destacar que qualquer tentativa de se criar “razões” para a diversidade de existências e experiências humanas serve apenas para reforçar a heterossexualidade enquanto regra universal. Por isso, é necessário normalizar a ideia de que não existem, nem precisam existir, explicações para orientação sexual, identidade e expressão de gênero.

Feita esta consideração, o tratamento contra a homossexualidade é proibido desde 1999 pelo Conselho Federal de Psicologia. Mas a prática charlatã ainda persiste. Tanto que, em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) se deparou com um entendimento jurídico favorável à realização de “terapias de reversão sexual”, sob alegação de “plena liberdade científica”.  Em 2019, a Corte proibiu de uma vez por todas a aplicação de tratamentos com essa finalidade.

 

União estável entre pessoas do mesmo gênero

Em 2008, nossos tribunais reconheceram a possibilidade jurídica de união estável homoafetiva. Três anos depois, o STF conferiu igualdade de condições entre uniões homossexuais e heterossexuais. Na sequência, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução proibindo que autoridades, a exemplo dos cartórios e juízes de paz, neguem a celebração do casamento civil entre pessoas do mesmo gênero, assegurando o direito ao matrimônio. Vale frisar que, embora o casamento civil tenha se tornado uma conquista no Brasil, não há uma lei específica sobre o tema.

O reconhecimento da união homoafetiva como unidade familiar em par de igualdade a famílias heterossexuais acarretou o fim de limitações, baseadas em orientação sexual, para adoção. No mesmo ano desta conquista, em 2015, casais homossexuais também passaram a ter permissão expressa para aplicação de técnicas de reprodução assistida, anteriormente negada por muitos médicos.

 

Nome social

Outra vitória da comunidade LGBTQIAP+ no âmbito do Direito Civil foi a possibilidade de mudança do nome e do gênero de pessoas trans no registro civil. A ratificação, concedida pelo STF em 2018, e que combate imensos constrangimentos e violências simbólicas, é permitida independente da realização de cirurgia de redesignação de gênero.

Neste mesmo sentido, um segundo direito conquistado, que assegura integridade e saúde física e mental, foi a oferta do processo de transição no SUS. O serviço, que foi ampliado em 2013, oferece a cirurgia de redesignação de gênero e tratamento hormonal, bem como acompanhamento psicológico a transgêneros.

 

Criminalização da homofobia e transfobia

A criminalização da homofobia e transfobia, um marco para conscientização dos direitos LGBTQIAP+, foi enquadrada na Lei do Racismo em 2019 pelo STF. Infelizmente, como comprovam os dados e os históricos de violência contra a comunidade no país, a medida não garante a segurança e a proteção à vida destas identidades, nem mesmo a devida punição de perpetradores. Ela é, sim, um avanço, mas que depende de uma mudança estrutural, em que, a partir da educação e sensibilização social, essas práticas sejam entendidas e temidas pelo que de fato são: crimes. O aumento de denúncias e, consequentemente, das punições, também depende do fim do preconceito e da burocracia em delegacias.

 

Direito a ajudar outras vidas

Uma última e recente decisão, que quebra grandes e lamentáveis estigmas, é o fim das restrições a doações de sangue por homens gays. Em 2020, o STF entendeu como inconstitucionais normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que impunham limitações à ação.

Segundo a regra anterior – que prestava um desserviço à população, disseminando preconceitos -, gays só podiam doar sangue após um ano de abstinência sexual.

 

Para finalizar, o Direito ainda precisa dar muitos passos à frente para garantir a vida e a integridade da comunidade LGBTQIAP+ no Brasil. Precisa, também, lidar com inúmeras zonas cinzas, entre elas o uso de banheiros por pessoas trans, de acordo com sua identidade de gênero, e a proteção de crianças intersexo. O Estatuto de Proteção da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo, não apresenta normas e condutas para esses casos, em que a regra é escolher um gênero e realizar a cirurgia de redesignação.

 

Logo, precisamos pensar sob uma nova perspectiva, eliminando concepções sexistas, LGBTfóbicas e binárias. Não há como negar que a sociedade e a legislação atual estão longe do ideal. Mas as vitórias alcançadas até aqui demonstram que estamos trilhando, ainda que de forma lenta, o caminho rumo à igualdade e a inclusão.

Nós, do QL Advogados, reforçamos nosso compromisso em colaborar para a construção de uma sociedade cada vez mais justa, respeitosa e igualitária, dentro e fora do nosso escritório.