O uso de máscaras comuns e o sistema legal de proteção à saúde nos locais de trabalho

São muitos os questionamentos que recebemos sobre a possibilidade de liberar o uso de máscaras nos locais de trabalho, sobretudo após a edição de normas locais e regionais, que assim o fizeram para ambientes abertos e fechados.

Hoje, 1º de abril de 2011, foi publicada a Portaria Interministerial MTP/MS nº 17 do Ministério do Trabalho e Previdência conjuntamente com o Ministério da Saúde, que merece um estudo mais abrangente.  Entre os pontos trazidos pela Portaria, um dos mais importantes é a questão da obrigatoriedade ou não do uso de máscaras nos locais de trabalho.

Contudo, antes de falarmos da norma ministerial, convém fazermos algumas considerações sobre as demais normas vigentes.

 

  1. I) BREVE SÍNTESE SOBRE OS ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS

O direito à saúde está garantido na Constituição Federal em diversos artigos, especialmente no art. 196, in verbis:

 

CF/88

(…)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O artigo 23, por sua vez, prevê, ainda, ser competência comum da União, Estados e Munícipios, cuidar da saúde pública e assistência pública, entre elas as providências sanitárias tomadas com base no direito à saúde.

 

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…)

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

 

Do mesmo modo, artigo 24 estabelece competência concorrente da União, Estados e Munícipios para legislar sobre matéria de proteção e defesa da saúde. Ou seja, normas específicas poderão ser editadas pelos estados membros, com o objetivo de adequação local as normas de saúde, também chamada de competência suplementar.

 

CF/88

(…)

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;

 

Contudo, no que tange as relações de trabalho, a Constituição Federal prevê, no seu artigo 22, ser competênciaexclusiva da União legislar sobre a matéria:

 

CF/88

(…)

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

 

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

 

O inciso III – A, do art. 3º da Lei 13.979/2020 com redação da pela lei 14.019/2020, autoriza que a União, Estados e Munícipios adotem, no âmbito de suas competências e durante o estado de emergência de saúde pública, a exigência do uso de máscaras de proteção facial.

 

Lei 13.979/2020

(…)

Art. 3º.  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:

III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual

 

Já o art. 3º – B da lei 14.019/2020 prevê a obrigatoriedade do fornecimento de máscaras de proteção facial a funcionários e colaboradores, por todos os estabelecimentos que funcionarem durante a pandemia, sob pena de multa a ser definida pelos entes federados, vejamos:

 

Lei 14.019/2020

(…)

Art. 3º-B. Os estabelecimentos em funcionamento durante a pandemia da Covid-19 são obrigados a fornecer gratuitamente a seus funcionários e colaboradores máscaras de proteção individual, ainda que de fabricação artesanal, sem prejuízo de outros equipamentos de proteção individual estabelecidos pelas normas de segurança e saúde do trabalho. Promulgação partes vetadas (Vide ADPF 715)

  • 1º O descumprimento da obrigação prevista no caput deste artigo acarretará a imposição de multa definida e regulamentada pelos entes federados, observadas na gradação da penalidade:

I – a reincidência do infrator;

II – a ocorrência da infração em ambiente fechado, hipótese que será considerada como circunstância agravante;

III – a capacidade econômica do infrator.

 

Importante mencionar, ainda que no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 714 e 715, o STF derrubou o veto  presidencial a dispositivo da Lei 14.019/20, que desobrigava o uso de máscara de proteção individual em estabelecimentos comerciais, industriais e de ensino, templos religiosos e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas.

No âmbito trabalhista, não há dúvida de que a responsabilidade pelo fornecimento de EPI e por manter o meio ambiente de trabalho salubre e digno é do empregador:

 

Art. 166 – A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.

 

Ademais, no âmbito do PCMSO, a NR-7 estabelece:

7.3.2 São diretrizes do PCMSO:

 

(..)

  1. b) detectar possíveis exposições excessivas a agentes nocivos ocupacionais;

(…)

  1. d) subsidiar a implantação e o monitoramento da eficácia das medidas de prevenção adotadas na

organização;

(…)

  1. e) subsidiar análises epidemiológicas e estatísticas sobre os agravos à saúde e sua relação com os

riscos ocupacionais;

(…)

  1. l) controlar da imunização ativa dos empregados, relacionada a riscos ocupacionais, sempre que

houver recomendação do Ministério da Saúde.

 

7.4.1 Compete ao empregador:

  1. a) garantir a elaboração e efetiva implantação do PCMSO;
  2. b) custear sem ônus para o empregado todos os procedimentos relacionados ao PCMSO;
  3. c) indicar médico do trabalho responsável pelo PCMSO.

 

II) DISCUSSÃO

No caso do enfrentamento da COVID-19, seguindo preceito constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento da ADI 6341, que Estados e Municípios possuem competência concorrente com o Governo Federal para adotar medidas sanitárias para o combate do novo vírus.

Na prática, esta decisão conferiu poderes aos Estados e Munícipios para adotar medidas regionais sobre a forma de combate à pandemia para a população em geral, entre elas, o uso de máscaras de proteção facial.

Contudo, a matéria relacionada as relações de trabalho continuam sendo exclusivamente do Governo Federal, que por sua vez publicou a Portaria Interministerial MTP/MS nº 17 do Ministério do Trabalho e Previdência conjuntamente com o Ministério da Saúde (1º de abril de 2022).

A partir de então, resta revogada a Portaria Interministerial MPT/MS nº 14, de 20 de janeiro 2022 que alterara a Portaria 20 de 18 de junho de 2020 no que se refere as medidas para prevenção, controle e mitigação de riscos de transmissão do coronavírus em ambiente de trabalho.

Especificamente, quanto ao uso de máscaras no ambiente de trabalho, Portaria Interministerial MTP/MS nº 17 do Ministério do Trabalho e Previdência conjuntamente com o Ministério da Saúde (1º de abril de 2022), assim dispõe:

 

(…)

8.1.1 As máscaras cirúrgicas e de tecido não são consideradas EPI nos termos definidos na Norma Regulamentadora nº 6 (NR-06) – Equipamento de Proteção Individual e não substituem os EPI para proteção respiratória, quando indicado seu uso.

8.2 Máscaras cirúrgicas ou de tecido devem ser fornecidas para todos os trabalhadores e seu uso exigido em ambientes compartilhados ou naqueles em que haja contato com outros trabalhadores ou público quando o nível de alerta de saúde na unidade da federação estiver nos níveis 3 ou 4 na semana epidemiológica antecedente (…)

 

O item 8.2.1 estabelece expressamente quais os níveis de alerta de saúde (de 1 a 4) proporcionalmente ao número de casos por 100.000 pessoas em 14 dias.

Por fim, em linha com as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, o item 8.2.4 da mesma norma federal estabelece que “Ficam dispensados o uso e o fornecimento das máscaras cirúrgicas ou de tecido de que tratam os itens 4.2.1, 7.1 e 8.2 desta Portaria nas unidades laborativas em que, por decisão do ente federativo em que estiverem situadas, não for obrigatório o uso das mesmas em ambientes fechados.”

Ou seja, acertadamente, salvo melhor juízo, deverão ser observadas as especificidades e realidade regionais (de cada ESTADO ou MUNICÍPIO), devendo prevalecer a norma mais protetiva à saúde dos trabalhadores.

Ainda assim, entendemos que cabe ao órgão técnico responsável pela saúde e segurança dos trabalhadores de cada empresa, avaliar as condições ambientais de trabalho e indicar todos os EPIs necessários para mitigação dos riscos de afastamento por doença dos seus trabalhadores, alinhados com princípios de prevenção e precaução.