Responsabilidade Civil dos Provedores de Internet e o “PL das Fake News”

A prática de disseminação de Fake News por meio da internet tem aumentado significativamente, o que suscita, em diversas frentes, discussões a respeito da responsabilidade dos envolvidos, da necessidade de regulamentação da questão, bem como das consequências desta eventual regulamentação.

Embora não seja um fenômeno novo no contexto brasileiro ou internacional, diante da evolução tecnológica, fato é que o alcance das informações disseminadas na internet ampliou-se exponencialmente nos últimos tempos e, bem assim, as consequências e danos causados por informações falsas, revestidas de artifícios que pretendem lhe conferir legitimidade, inclusive quando considerada a dificuldade de identificação dos agentes responsáveis.

É nesse contexto que entra o Projeto de Lei nº 2.630/2020 (“PL das Fake News”), em trâmite perante a Câmara dos Deputados, que pretende instituir a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência da Internet”, estabelecendo normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de internet “a fim de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento”.

Em um momento anterior ao PL, observou-se uma tendência de restrição da responsabilidade civil dos provedores de internet. Até mesmo antes da vigência da Lei nº 12.965/2014 – Marco Civil da Internet, a jurisprudência dos tribunais brasileiros se consolidou no sentido de responsabilizar civilmente os provedores de internet apenas se estes, após serem notificados pelos interessados a remover os conteúdos supostamente inadequados, não os retirassem de circulassem ou não mantivessem meios de identificação do autor do dano. Com a vigência do Marco Civil da Internet, a responsabilidade destes provedores foi ainda mais restringida, passando a depender de descumprimento de ordem judicial específica para remoção de conteúdo infringente.

Já o PL das Fake News apresenta modificações consideráveis nas condutas e obrigações dos provedores de internet, com a ampliação de sua responsabilidade civil, notadamente no que se refere ao tratamento de conteúdo dos usuários e o rastreamento e monitoração de interações digitais.

É nesse sentido que o Projeto de Lei tem sido objeto de críticas e encontrado resistência de diversos setores da sociedade brasileira. Em linhas gerais, o principal questionamento assevera que, embora tenha sido desenvolvido com os objetivos de garantir maior proteção à sociedade e de inibir a prática de crimes, o projeto contrariaria dispositivos legais já em vigor, tais como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados e resultaria em ingerência privada no exercício de direitos fundamentais, adentrando em questões de cerceamento destas garantias fundamentais, como a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.

As práticas sugeridas pelo PL , além de contrariar dispositivos legais pátrios, estariam inclusive em desacordo com os princípios e padrões de legislação internacional, tal como o Digital Service Act – DSA, a Proposta de Regulamentação de Serviços Digitais na União Europeia, cuja proposta prevê a respeito dos provedores de internet que “não será imposta a esses prestadores qualquer obrigação geral de controlar as informações que os prestadores de serviços intermediários transmitem ou armazenam, nem de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiquem ilicitudes”.

O PL das Fake News atualmente encontra-se em tramitação sob regime de urgência no Plenário da Câmara dos Deputados, com parecer apresentado pelo relator e proposta de substitutivo.